quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Testamento

Como é difícil o teatro da vida.


Hyuro

"Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta que não lutei!"
Manuel Bandeira, Testamento.

A vida é feita de ato.
A vida é um espetáculo.
E como todo bom teatro, máscaras não faltam.
A vida é construída por máscaras.

“- Muitas máscaras, por favor!”

Mais máscaras do que personagens.

“- Tragam muitas máscaras. Apesar de ser apenas um ator, interpreto muitos personagens
E em meio tantos acontecimentos diferentes
Em meio esse tempo de enganos e controvérsias
Sinto que precisarei de muitas mais máscaras além das que carrego comigo.
Tragam muitas máscaras, 
mas peço, por favor, não tragam aquela grande mascara.
Aquela mascara fatal, por favor, ainda não tragam.
Sinto que ainda é cedo em meio tantas máscaras mais que pretendo usar.
Deixe que a máscara que não sabemos conceber - a mascara que não podemos ver – caia sobre meu rosto no melhor momento.
Guardem a máscara invisível para substituir aquela serena que está por chegar.
Que a a atriz saiba incorporar a máscara final para dançar o musical que embala a vida.”

Máscara e atriz se misturem e dissolvam-se em uma só poeira.
Presas .
Soltas .
Existentes no que ainda há.
Insistentes no haver.

Finados

Hoje é feriado.
Dia dos mortos.
E esse ano, choro os meus eus que já morreram.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Raquel Aparicio


Imagens não precisam ser colocadas em palavras para se comunicar
Então sem demais descrições, comunico à vocês o que Raquel Aparicio, artista espanhola, comunicou à mim.

TUDO É UM SÓ A TODO MOMENTO SENDO.








sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Nos Campos de Santo José

Tem um eu meu aqui
que não é mais os eus de agora
um eu que perturba
que assombra
que me apavora

Quando a noite chega leve
E o vento forte assopra,
sentada sozinha na sala
sinto o eu que por aqui mora

sinto o eu seguro, enraizado
que me vem à lembrança na música que toca
um eu tão inteiro
em contra-ponto ao eu fracionado de agora
um eu tão inteiro
ao contrário do vazio dos eus de agora

Quando sento de leve na sala
me assombra o eu que aqui mora
Sinto o vento da noite
Deixando claro os eus agora.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

No Sofá, Vinho

- Eu acho que você seria uma ótima mãe.

Gargalhadas.

- Sério mesmo!

- Sério? Eu também acho que você seria um bom pai. Estava pensando nisso esses dias, mas não disse nada pra você porque fiquei com medo de você, todo neurótico, pensar que eu iria tentar ficar grávida de propósito, ou sei lá. Que bobeira né?!

- Você sabe que eu te admiro pra caramba,né? Como mulher. Mulher com poder de escolha e tal.

- Você me disse isso no primeiro dia que nós ficamos, aí me conquistou!

Olhos.

- Mas é verdade. Você ensinaria coisas como Marx, anarquismo, Caio de Abreu e drogas...

- E você os ensinaria a ganhar dinheiro, indo totalmente ao contrário do que eu falei!

Risos.

- Ow... eu não sou tão assim quanto você fala...

Risos e carinho.

-Eu sei bobão!

Olhos nos olhos.

- Pelo menos eles iriam ter um bom senso crítico: conhecendo várias maneiras de se pensar.

- Ou seriam tão, ou mais desnorteados do que você e eu!

- Do que a gente.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Carlton Branco


Para ser lido ao som de The Doors - We Could Be So Good Together.
Para ser lido na compania de um Carlton queimando.
Para não ser lido.


A boca que espera o trago é a mesma boca gozada do início do ano no sofá daquela sala de espera ou no colchão sujo do quarto.
O trago não era o mesmo.
- Ah! Esse gosto... - relembrava. - Quanto tempo... - lamentava entre as tragadas sem perceber o que era o tempo para a memória daquela noite criada em sua mente.
- Tanta coisa que passa. - falava sozinha.
Ligou seu notebook, o mesmo de noites passadas.
- Doors. - concluía a fim de manter a lembrança.
Escolheu a música com cuidado, deu mais dois ou três tragos e, já que o objetivo era a lembrança, colocou um filme pornô para acompanhar.
"travestis e transexis", digitou, dessa vez sem rir.
O colchão era outro, o quarto também, mas envolta por The Doors, tendo peitos e pintos à sua vista, deitou confortavelmente com sua mão esquerda sob seu vestido, massageando lentamente seu clítores.
A mão não era a mesma. Faltavam palavras chulas no seu ouvido.
- Aah... delícia! - suspirava e gemia para si mesma tornando a cena mais real, enquanto, com sua mão direita, levava o cigarro à sua boca semi aberta para puxar seu último trago.
- Carlton... de filtro branco... - sorriu enquanto, como no início, reconhecia o cigarro que havia chegado à sua boca.
- Eu sequer fumo! - sorria ironicamente quase a gargalhar num súbto gozo de uma memória, duas noites e um "até mais" que, indicando tempo futuro, acabou no passado.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Nem certo, nem errado, apenas nada ou sobre moralidade social

Ela olhava para aquilo tudo se perguntando: "o que você vê, Dora?", e não conseguia responder; não porque não podia ver ou enxergar, mas porque, sentada ali, à meia luz do quase por do Sol, Dora conseguia ver TUDO, mas um tudo tão denso que se transformava em NADA quando chegado em palavras.
-Nada - respondia, assim: sem ponto.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A chegada do/ de um desconhecido

Foi um constrangimento estranho, meio daqueles de quando você está parado sozinho, fumando seu cigarro em uma esquina e avista um desconhecido caminhando em sua direção. Você avistou o desconhecido, sabe que o desconhecido também te avistou e então, no momento em que o desconhecido – que então não é mais desconhecido uma vez que você, embora míope, reconhece a fisionomia do sujeito por conta desse curto período de observação - passa ao seu lado, ambos não sabem o que fazer: “Seria melhor fingir não tê-lo visto, talvez olhar para o chão ou para o carro que passa... ou quem sabe posso cumprimentá-lo com um ‘oi’ ou sorriso...” Constrangimento ainda maior se esse desconhecido não se tratar de um desconhecido, mas sim de um velho amigo que a sua jovem memória moribunda não reconhece.
O fato é que o desconhecido passou sem que eu nem o percebesse chegar – tratando-se, portanto de um verdadeiro desconhecido, aproximou-se de mim, pediu um isqueiro e acendeu seu cigarro.
E foi assim: parada em uma esquina qualquer, fumando meu Marlboro vermelho, que o desconhecido se mostrou para mim.

domingo, 21 de agosto de 2011

Vick Evaporup

Vick jovem, linda, solta. Vick já nasceu mulher, e sabia sê-la como nenhuma outra.

Lembro do dia em que conheci Vick: sentadas na sacada da casa de praia da mãe do Fabinho, tomando caipirinha e fumando escondido. Entre gargalhadas, o que mais me chamou atenção nela não foram os olhos muito claros e vivos com olheiras em torno, mas seu cheiro: tinha cheiro de frescor.

Gosto mesmo de lembrar-me dela naquela noite em que nós duas matamos uma garrafa de conhaque enquanto escutávamos Chico e discutíamos sobre a modernidade, existencialismo e um possível ataque alienígena. Vick sempre acreditou em extraterrestres e dizia que ninguém a entendia; eu apenas sorria, deixando que a loucura dela me fizesse acreditar em outros mundos, seres e universos.

Acontece que certo dia banhado a fumaça e chá, Vick evaporou.

Há quem diga que ela se perdeu, mas a verdade é que, neste exato dia, no meio de suas viagens intergalácticas, interdimencionais, ou como queira chamar, Vick conheceu um universo tão maravilhoso que resolveu não voltar mais.

Há também quem chame isso de loucura, eu chamo de realidade. Vick encontrou a realidade a qual ela pertence. Isso que conhecemos como sendo real sempre foi pequeno demais pra ela.

Que saudade da Vick!


Texto inspirado no título http://livredosconceitos.blogspot.com/2011/08/vick-vaporup.html

da Ana T.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Poema de uma manhã que já era tarde ou Poema de uma manhã tardia

“Não sente a criança
Que o céu é ilusão:
Crê que o não alcança,
Quando o tem na mão.”

[Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho]

Nunca soube nadar, contudo me lembro que aos cinco anos de idade conseguia boiar meu corpo inteiro na piscina.

Que sensação gostosa que me dava, a leveza que tomava meu corpo se misturava com o vento e o sol forte que faziam se sentir na minha pele.

Era tudo tão leve, divertido, novo. Era como que voar por cima da água.

Dez anos depois, tentei reproduzir a sensação leve, contudo minha perna afundava, sem permitir que meu corpo permanecesse no topo daquela água.

Tempos atrás resolvi tentar boiar meu corpo inteiro na água.

Para ver se aquela sensação de liberdade, de LEVEZA, se repetiria

Mas não consegui.

Então coloquei apenas meus pés na água

Deixei-os mais leve que eu consegui.

No primeiro momento, encontraram o topo,

Levitaram por alguns minutos.

Mas logo em seguida voltaram a afundar.

Insisti naquela leveza que não me pertencia

Mas eles insistiam em afundar!

Eu os ajudava fazendo força pra que eles permanecessem no topo,

Mas eles insistiam em afundar, em voltar para o chão,

E agora sequer um minuto no topo paravam...

A leveza havia me deixado.

E eu não sabia mais como encontrá-la.

Ah meus cinco anos!

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Quando se deixaram a primeira a sentir falta foi sua buceta. Quem mais daria prazer tão facilmente? Que sexo mais quereria depois do dele?

Experimentara muitas mais bocas, já tinha experimentado outros corpos, feito outros sexos, mas a inevitável comparação, a fazia chamar pelo nome dele, dele que agora partira.

Tirou seu vestido, o abraçou sentindo o cheiro da noite passada. Não cheirava a sexo, mas o cheiro dele, ah... o cheiro dele a fazia suspirar.

Deitada na cama desarrumada, procurava em seu corpo reproduzir o toque dele. O prazer aparecia, mas o gozo não podia ser o mesmo que só o toque da mão dele produzia tão facilmente.

Começou a chorar, correu para o chuveiro, não precisava mais do cheiro que ele deixara em seu corpo depois da última noite.

Passava a mão em cada parte do seu corpo com força enquanto a água corria sua pele. Não queria tirar só o cheiro, mas também as lembranças, as marcas que havia deixado nela depois de tantos sexos, tantas transas, trepadas, amores... abraços. Pegou uma esponja que usava para limpar o banheiro e a esfregou por todo seu corpo. Depois que o sangue começou a escorrer já não sabia se chorava por dor ou prazer.

Logo depois da expressão de dor – tão semelhante a do orgasmo, veio o riso tremulo com leves gargalhadas irônicas que ecoavam pelo banheiro.

A campainha tocou, ele chegara. Não ele que havia partido, mas ele que ela havia procurado pra sanar sua dor.

Sem muita conversa transaram ali mesmo. Coisa rápida, ela gozou antes dele, como de costume, depois virou para o lado, acendeu seu cigarro e dormiu, também antes dele.

Na manhã seguinte transou mais uma vez, o mandou embora, tomou um banho para tirar o cheiro do sexo passado de seu corpo, e sentou-se sozinha e indiferente, com seu café na sala enquanto assistia o canal pornô da televisão.