sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Nos Campos de Santo José

Tem um eu meu aqui
que não é mais os eus de agora
um eu que perturba
que assombra
que me apavora

Quando a noite chega leve
E o vento forte assopra,
sentada sozinha na sala
sinto o eu que por aqui mora

sinto o eu seguro, enraizado
que me vem à lembrança na música que toca
um eu tão inteiro
em contra-ponto ao eu fracionado de agora
um eu tão inteiro
ao contrário do vazio dos eus de agora

Quando sento de leve na sala
me assombra o eu que aqui mora
Sinto o vento da noite
Deixando claro os eus agora.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

No Sofá, Vinho

- Eu acho que você seria uma ótima mãe.

Gargalhadas.

- Sério mesmo!

- Sério? Eu também acho que você seria um bom pai. Estava pensando nisso esses dias, mas não disse nada pra você porque fiquei com medo de você, todo neurótico, pensar que eu iria tentar ficar grávida de propósito, ou sei lá. Que bobeira né?!

- Você sabe que eu te admiro pra caramba,né? Como mulher. Mulher com poder de escolha e tal.

- Você me disse isso no primeiro dia que nós ficamos, aí me conquistou!

Olhos.

- Mas é verdade. Você ensinaria coisas como Marx, anarquismo, Caio de Abreu e drogas...

- E você os ensinaria a ganhar dinheiro, indo totalmente ao contrário do que eu falei!

Risos.

- Ow... eu não sou tão assim quanto você fala...

Risos e carinho.

-Eu sei bobão!

Olhos nos olhos.

- Pelo menos eles iriam ter um bom senso crítico: conhecendo várias maneiras de se pensar.

- Ou seriam tão, ou mais desnorteados do que você e eu!

- Do que a gente.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Carlton Branco


Para ser lido ao som de The Doors - We Could Be So Good Together.
Para ser lido na compania de um Carlton queimando.
Para não ser lido.


A boca que espera o trago é a mesma boca gozada do início do ano no sofá daquela sala de espera ou no colchão sujo do quarto.
O trago não era o mesmo.
- Ah! Esse gosto... - relembrava. - Quanto tempo... - lamentava entre as tragadas sem perceber o que era o tempo para a memória daquela noite criada em sua mente.
- Tanta coisa que passa. - falava sozinha.
Ligou seu notebook, o mesmo de noites passadas.
- Doors. - concluía a fim de manter a lembrança.
Escolheu a música com cuidado, deu mais dois ou três tragos e, já que o objetivo era a lembrança, colocou um filme pornô para acompanhar.
"travestis e transexis", digitou, dessa vez sem rir.
O colchão era outro, o quarto também, mas envolta por The Doors, tendo peitos e pintos à sua vista, deitou confortavelmente com sua mão esquerda sob seu vestido, massageando lentamente seu clítores.
A mão não era a mesma. Faltavam palavras chulas no seu ouvido.
- Aah... delícia! - suspirava e gemia para si mesma tornando a cena mais real, enquanto, com sua mão direita, levava o cigarro à sua boca semi aberta para puxar seu último trago.
- Carlton... de filtro branco... - sorriu enquanto, como no início, reconhecia o cigarro que havia chegado à sua boca.
- Eu sequer fumo! - sorria ironicamente quase a gargalhar num súbto gozo de uma memória, duas noites e um "até mais" que, indicando tempo futuro, acabou no passado.